FNE escreve Carta Aberta ao Ministro da Educação

Senhor Ministro da Educação
O Ministério da Educação, em nome da
decisão de impor que o novo ano letivo decorresse em normalidade, e com a
pressa de garantir que as atividades letivas presenciais fossem
retomadas, não assumiu em devido tempo as medidas que adequassem o
funcionamento das escolas às circunstâncias anormais que estamos a
viver.
O Ministério da Educação ignorou as propostas da FNE sobre as
condições de desenvolvimento do ano letivo e sofremos hoje as
consequências desta ausência de medidas apropriadas, porque:
as escolas não dispõem dos professores de que os alunos precisam;
não há trabalhadores não docentes suficientes para garantirem o
funcionamento regular das escolas e as condições de apoio e segurança
indispensáveis;
as escolas dispõem dos mesmos computadores que
tinham em junho passado, sem que se cumpra a promessa da universalização
da escola digital;
as contradições das informações e das normas que vão sendo difundidas só provocam incerteza e insegurança;
os limites do tempo de trabalho dos professores são sistematicamente
ultrapassados, e muitas vezes com atribuição de tarefas e reuniões para
períodos do dia em que deveriam ter direito ao seu tempo de vida pessoal
e familiar;
o Ministério da Educação não foi capaz de determinar
uma solução justa para o enquadramento dos docentes pertencentes a
grupos de risco, conduzindo à situação contraditória de estes estarem
impedidos de realizarem teletrabalho ao mesmo tempo que os seus colegas
em situação de isolamento têm de se socorrer das ferramentas telemáticas
para continuarem a trabalhar;
impôs agora que a alguns docentes sem componente letiva sejam atribuídas tarefas de rastreio e de inquéritos epidemiológicos.
A
FNE teve oportunidade de ao longo dos últimos meses remeter a V.Exa.
vários contributos com a expressão, quer das nossas preocupações, quer
das nossas propostas. A verdade é que até agora nunca obtivemos qualquer
resposta ou disponibilidade para discutir os nossos contributos, nem
tão pouco vimos que eles se refletissem suficientemente nas orientações
que o Governo tem determinado.
V.Ex.a é o Ministro da Educação da
Democracia portuguesa que há mais tempo exerce o cargo mas é também
aquele que menos espaço e condições deixou para o diálogo, para a
negociação e a concertação. Os pedidos de reunião ficam sem resposta, as
propostas apresentadas ficaram sem sinal de receção, as propostas de
linhas de trabalho para solução de problemas conhecidos no sistema
educativo são rejeitadas, em nome da afirmação de que só ao Ministério
da Educação cabe a determinação dos conteúdos das reuniões negociais.
Não é este o conteúdo do conceito de diálogo social ou do respeito pelos
parceiros sociais.
No entanto, os docentes e os não docentes têm
realizado nas nossas escolas um trabalho notável, embora se deva
reconhecer que o têm feito em situação de muita incerteza e angústia,
pela insuficiência das medidas que têm sido adotadas que não garantem a
proteção das pessoas envolvidas. A este nível, se as propostas que a FNE
apresentou pudessem ter sido discutidas e aproveitadas, não estaríamos a
ter de registar estas circunstâncias. A outros níveis de
desenvolvimento do sistema educativo, se as propostas da FNE pudessem
ter sido analisadas, já poderíamos estar a percorrer caminhos mais
valorizadores dos profissionais da Educação.
É, pois, neste quadro
que se justifica a necessidade de, em sede de concertação, serem
discutidas e estabelecidas orientações que:
a) respeitem os limites para o tempo de trabalho;
b) clarifiquem o regime de faltas associadas à situação de pandemia e a forma como estas relevam para a carreira e descontos;
c)
diminuam a carga burocrática dos professores, agudizada pela
necessidade de formalizar planos de aula e documentos desnecessários ou
de questionável relevância;
d) determinem as formas de enquadramento dos docentes dos grupos de risco em regime de teletrabalho, por sua opção;
e) definam procedimentos claros e homogéneos relativos às situações de promoção da saúde e segurança de todos;
f) definam regras para utilização das ferramentas telemáticas, com respeito pela segurança e pela privacidade;
g) criem condições para o acesso à formação contínua;
h) promovam a revisão do regime de contratação de docentes;
i) visem recuperar a situação de igualdade entre os docentes em Portugal e aqueles do EPE nos concursos nacionais;
j) garantam o respeito pelo direito dos alunos a terem todas as aulas;
k)
consigam atrair mais jovens para a carreira docente e criem condições
nomeadamente para que todos aqueles que se afastaram da carreira docente
possam regressar;
l) assegurem a dotação das escolas com todos os
docentes, técnicos, assistentes técnicos e assistentes operacionais, bem
com todos os recursos, nomeadamente tecnológicos, que sejam
indispensáveis para o seu funcionamento.
É por estas razões que,
depois de tantas tentativas para que sejam marcadas reuniões que
permitam o debate de propostas concretas de melhoria do sistema
educativo, nos vemos constrangidos a dirigirmo-nos a V:Exa. através
desta carta aberta, na expetativa de que, por uma vez, se possam abrir
processos negociais cuja iniciativa pertença igualmente a cada uma das
partes.
FNE, 13 de novembro de 2020